Do Sepulcro à Redenção - Assim falava Zaratustra



A “Canção do Sepulcro”, na segunda parte de “Assim falava Zaratustra” de Nietzsche, traz uma metafórica história de amor para com os sentimentos mais puros da juventude. Isto é, o ponto de vista de quem está começando a se lançar no mundo, de quem está iniciando os primeiros passos sozinho. Neste início de caminhada, não há decepções, não há tormentas grandes e todas as expectativas são ao menos parcialmente atendidas. E assim cria-se o ponto de vista de um mundo ideal. Contudo, conforme percorre-se o próprio caminho, a realidade engole a idealidade e muitos sentimentos puros e inocentes são sepultados. Assim, logo no início é apresentada uma tristonha e distante ilha onde estão os sepulcros dos sonhos e desejos de juventude. Repare que os sepulcros foram feitos do outro lado do mar. Logo, sonhos mortos são de difícil acesso. Entretanto, a lembrança deles ainda é capaz de trazer algum conforto para o solitário coração do peregrino da vida. Assim, enchendo-se de coragem para atravessar o mar, o peregrino tem por propósito levar até este sepulcro uma coroa de flores da vida – flores que não murcham.

Ao longo da travessia, muitos pensamentos à respeito destes antigos sonhos tomam forma. No primeiro deles o peregrino considera-se, apesar de solitário, um ser digno de inveja pois teve sonhos e os sonhos ainda o tem. Prova disto é o fato da recorrência ao sepulcro aliviar o coração com boas lembranças, uma rota de escape para momentos turbulentos. Ou seja, quando a dureza da realidade bate novamente à porta, pode-se lembrar de quão doces e ternos eram os sonhos de juventude para que aquela inocência possa acalentar a alma. O peregrino diz também que é não somente o herdeiro, mas também a herança do amor que estes sonhos traziam consigo e que desta herança ainda nascem as virtudes mais puras. Isto é, apesar de mortos, estes sonhos ainda vivem na lembrança e são capazes de dar à luz outros sonhos tão ou ainda mais puros.

Estes sonhos, desejos, pontos de vista da juventude que deveriam ter sido eternos durante a peregrinação foram assassinados a flechadas – ou seja, aos poucos - pela maldade de inimigos encontrados ao longo do caminho. Porém, esses assassinatos nada significam quando nos deparamos com o que foi retirado do peregrino: olhares e momentos divinos, os mais caros prodígios da juventude. A sabedoria alegre, a terna aspiração, a divindade de todos os seres, o sacro de todos os dias, foram todos trocados pelo tormento da insônia através das monstruosas reflexões que fizeram o peregrino repugnar até mesmo as pessoas mais próximas. Assim, os inimigos estragaram o que de melhor tinha na juventude: a confiança em tudo.

Inúmeras tentativas de recuperar a inocência juvenil falharam. Assim, a esperança também já não foi mais capaz de existir. E como sobreviver diante deste desastroso cenário? Sim, Zaratustra tem a resposta! Através de algo intocável: a silenciosa, resoluta, invulnerável e imutável VONTADE.

A vontade é capaz de atravessar anos, de emergir de todos os túmulos! Na vontade ainda vive o que não foi resgatado da juventude. E assim, ainda que sobre escombros de sepulturas, a vontade torna-se vida e juventude repleta de esperança.

Porque somente onde há sepulturas é que pode haver ressurreições! ” [1]

É isto o que o peregrino busca quando leva flores de vida aos sepulcros, ou seja, quando leva novos bons sentimentos de encontro aos antigos sonhos. O peregrino busca resgatar sonhos com coisas que, apesar da realidade, deram certo e o fizeram feliz. Como isto é feito? Através da vontade cega e insaciável, do substrato que constitui a existência.

“Vontade, eis o nome do libertador e mensageiro da alegria: assim vos ensinei eu, meus amigos” [2]

E você? Tem vontade de que? 

Até o próximo texto!🙋

Renata Chinda- rechinda@gmail.com


[1] Nietzsche -  Canção do Sepulcro - Assim falava Zaratustra
[2] Nietzsche - Da Redenção - Assim falava Zaratustra

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