NIETZSCHE - PARA O ANO NOVO
“Para o Ano Novo – Ainda vivo, ainda
penso: ainda preciso viver, pois ainda preciso pensar. Sum, ergo cogito: cogito, ergo sum*. Hoje, qualquer um se permite
expressar seu desejo e seus mais diletos pensamentos: então, também quero dizer o que desejo de mim mesmo e
qual o pensamento que, este ano, me veio primeiramente ao meu coração – qual o
pensamento que deve ser, para mim, razão,
garantia e doçura de toda a vida que me resta! Quero aprender, cada vez
mais, ver o necessário das coisas como sendo o belo – então, serei um daqueles que tornam as coisas
belas. Amor fati: daqui em diante
esse será o meu amor! Não quero travar
uma guerra contra o feio. Não quero reclamar, não quero nem mesmo reclamar dos
que reclamam. Desviar o olhar deles, será minha única negação! E, abrangendo
tudo, em algum momento ainda quero ser
apenas alguém que sempre diz sim! ” *existo, logo penso; penso, logo
existo. [1]
Este
aforismo de A Gaia Ciência foi escrito para o dia 1º de janeiro de 1882,
portanto há 135 anos atrás, e cabe muito bem ao dia de hoje. E, mesmo sendo
curto, pode nos trazer momentos preciosos para reflexão.
“Ainda
vivo, ainda penso: ainda preciso viver, pois ainda preciso pensar” – isto é,
ainda vivo, pois ainda tenho muito a aprender! Podemos lembrar aqui de Es Denkt in Mir, no qual trouxemos uma
análise da famosa máxima cartesiana (cogito,
ergo sum; penso, logo existo) segundo o pensamento nietzschiano.
“quero
dizer o que desejo de mim mesmo” – ou seja, não vou dizer o que espero que o
novo ano me traga, mas o que desejo que eu mesmo faça no próximo ano. Não o que
desejo para mim, mas o que desejo de mim. Referência para
reflexão: A Esperança. Não esperar,
mas agir!
“qual
o pensamento que deve ser, para mim, razão, garantia e doçura de toda a vida
que me resta” – isto é, o que deve-se ter em mente, à mão, o que deve ser o
guia para as ações no finito tempo que ainda temos nessa vida. Epicteto, Marco Aurélio e Memento Mori,Memento Vivere.
“ver
o necessário das coisas como sendo o belo” –não querer nada além do suficiente
ao ponto de, com este suficiente, ser capaz de sentir prazer. Aqui podemos
lembrar de Epicuro.
“então,
serei um daqueles que tornam as coisas belas” – Se o suficiente é o bastante,
absolutamente tudo é capaz de nos fazer despertar para a alegria. E então
teremos desenvolvido a capacidade de ver o belo em tudo, ou seja, tornar tudo
belo. Além do bem e do mal e No pain, no gain.
“Amor fati: daqui em diante esse será o
meu amor!” – "Minha fórmula para a grandeza no homem é o amor fati: não querer nada de outro modo, nem para diante nem para trás, nem em toda a eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo – todo idealismo é mendacidade diante do necessário - mas amá-lo”. [2] Amor fati e Eterno Retorno.
“Não
quero reclamar, não quero nem mesmo reclamar dos que reclamam. Desviar o olhar
deles, será minha única negação! ” – Não negar nada, mas dizer SIM. E mais que
aceitar, amar tudo! Porque com tudo se aprende. Isto é a essência do Amor fati. Pode- se lembrar também do
texto sobre Sêneca.
“E,
abrangendo tudo, em algum momento ainda quero ser apenas alguém que sempre diz sim!” – O “SIM” dionisíaco de Nietzsche! O amor à vida, ao destino, o Amor fati. “Uma filosofia experimental,
tal como eu a vivo, (...) o supremo estado que um filósofo pode alcançar: estar
dionisicamente diante da existência – minha fórmula para isso é o amor fati. ”[3]
Resumindo:
Que no novo ano possamos agir em prol de tudo o que nos faz sentir bem, tudo
aquilo que aumenta nossa Vontade de Potência; que sejamos capazes de ver aprendizado em todos os fatos que nos
acontecerem; que possamos desenvolver nossas habilidades de discernimento e então
aproveitar da melhor forma nosso tempo de vida; que o suficiente nos seja o
bastante; e que, por fim, possamos desejar reviver cada momento eternamente, simplesmente
porque fomos felizes!! 😏
Para
fechar o texto, vamos deixar nas Curiosidades o aforismo 344 de A Gaia Ciência.
O
texto de hoje tem tom de final de ciclo. Não somente porque é o último dia do
ano, afinal “um único dia é o tamanho da vida” [4], mas também porque aqui
encerra-se esta primeira temporada do Zeitgeist.
Estamos com novos planos de voo para 2018 e trabalhando bastante para que
possamos nos ver em breve e em novo formato.
Fica
aqui o nosso Muito Obrigada a todos que, de alguma maneira, participaram com a gente
deste projeto. Aprendemos muito com todos os nossos leitores e esperamos ter
contribuído de alguma maneira para que reflexões e novas perspectivas de mundo
tenham surgido.
Nos
vemos em breve! 🙋
Boas
festas e um que façamos um Feliz 2018!
Renata
Chinda
rechinda@gmail.com
CURIOSIDADES
(1)
Zeitgeist nasceu em 2013, mas como nem tudo segue Chronos (afinal dependemos
também de Kairós – o tempo oportuno, de amadurecimento), nossa primeira
publicação saiu somente no outono de 2017. E, curiosamente, logo após a subida
de uma trilha na Serra do Marumbi, no Paraná.
Foram
publicados 29 textos, citamos 12 deles na leitura de hoje. Ao todo tivemos
acessos de mais de 20 países, sendo que Brasil, EUA, Canadá, Alemanha e França
foram os que mais nos prestigiaram. Os dois textos mais visitados foram o Eterno Retorno e A Genealogia da Moral. Recebemos diversas contribuições por e-mail,
WhatsApp, Facebook, comentários no Blog e mesmo ao vivo e a cores! Obrigada! =]
Ah!
Vale lembrar que nosso blog continua no ar e nossa Biblioteca continua ativa. Passa lá!
(2)
“Devemos aprender a amar – É como nos sentimos com a música: primeiro
precisamos aprender a ouvir um acorde, lembrar dele, distingui-lo, isolá-lo e
resguardá-lo para nós mesmos, como uma vida; então, precisamos de esforço e boa
vontade para suportá-lo, e apesar de sua estranheza, também a paciência com sua
visão e expressão, e treinar nossa bondade para o que ele tem de extravagante.
Finalmente, chega o instante em que nos acostumamos com ele, o instante em que
o aguardamos, em que adivinhamos que ele nos faria falta, se estivesse ausente;
então ele continua exercendo seu encanto e sua pressão e não termina enquanto não
nos tornamos seus amantes humildes e encantados, que não querem nada melhor do
mundo do que ele, e ele de novo. Mas isso não nos acontece apenas com a música;
foi exatamente assim que aprendemos a amar todas as coisas que agora amamos.
Afinal, sempre somos recompensados pela nossa boa vontade, nossa paciência,
nossa equidade, nossa atitude pacífica em relação ao que é estranho, na medida
em que esse estranho lentamente retira seu véu e se apresenta com uma indizível
beleza, que é seu agradecimento pela nossa hospitalidade. Até mesmo quem se
ama, deve ter aprendido a se amar por esse caminho: não há outro. Até o amor
precisa ser aprendido.” [5]
(3) O que diz sua consciência? – “torne-se aquilo que você é” – Nietzsche, Gaia Ciência, §270 - Excerto extraído das Odes, de Píndaro (518-4368 a.C.), poeta grego.
[1]
Nietzsche – A Gaia Ciência – aforismo 276
[2]
Nietzsche – Ecce homo – Porque sou tão esperto – aforismo 10
[3]
Nietzsche – Fragmentos Póstumos 1888
[4]
Sêneca – Aprendendo a viver, Da Velhice
[5]
Nietzsche – A Gaia Ciência – aforismo 344
Comentários
Postar um comentário