memento mori, memento vivere
Na seção Curiosidades do texto
Sobre a Utilidade e a Desvantagem da História para a Vida, citamos o memento mori e o memento vivere. Em latim significam, respectivamente, algo como: lembra-te de que és mortal e lembra-te de viver.
No aforismo 8 desta segunda Consideração
Intempestiva (Sobre a Utilidade e a Desvantagem da História para a Vida), Nietzsche
discorre sobre o tema, chegando à conclusão de que a humanidade sem ao menos assimilar o memento mori, tenta
preconizar o memento vivere.
“Outrora esse memento mori, clamado à humanidade assim
como ao indivíduo, era um aguilhão sempre torturante e como que o ápice do
saber e da consciência medievais. A palavra do tempo moderno, chamada em oposição
a ele: memento vivere, soa, para
falar abertamente, ainda bastante intimidada, não vem a plenos pulmões e tem,
quase, algo de desonesto. ”[1]
Mas afinal, o que as ideias de memento mori e memento vivere querem nos dizer? Inicialmente, podemos lembrar de
uma passagem de Epicteto (Discourses 3.24) onde ele menciona que os generais
romanos, após uma grande conquista militar, eram seguidos por um escravo que
sussurrava repetidamente em seus ouvidos: memento
mori. Ou seja, lembre-se de que nada dura para sempre: nem o sabor da vitória,
nem o próprio general. Talvez sejam os estoicos os filósofos com maiores
exemplos práticos de memento mori.
Este é um tema recorrente também
nas artes. Na Renascença houve um movimento chamado Vanitas, no qual as obras de arte faziam referência à finitude da
vida e traziam figuras de caveiras, ampulhetas e flores. O termo “Vanitas” é
latim e vem de uma citação do Eclesiastes (1:2;12:8) :
Vanitas vanitatum omnia vanitas –
Vaidade das vaidades, tudo é vaidade.
Na literatura pode-se citar,
além é claro de Hamlet de Shakespeare, o conto “A Christmas Carol” de Charles
Dickens (afinal estamos na véspera de Natal 😉 ). Neste conto, o personagem principal, Ebeneezer Scrooge, é levado pelo
Espírito dos Natais que ainda virão até sua própria tumba. Depois de uma longa
reflexão a respeito de toda a vida que havia levado, Scrooge tem uma profunda transformação
em seus comportamentos e atitudes antes de voltar para as comemorações de Natal.
Ok, e por que Nietzsche define
esse memento mori como um “aguilhão torturante”
e mal compreendido? Simples: as religiões trouxeram a ideia de imortalidade
para os seres humanos. No texto sobre A Genealogia da Moral vimos um pouco
sobre isso. Se se considera que o pós-vida depende das ações praticadas nesta
vida, vive-se numa moral de escravo que pode culminar num niilismo existencial.
Ou seja, a vida é negada em detrimento de um possível pós-vida: é a disfunção da
vida após a morte. Essa é uma interpretação socrático-platônica do mundo. E
para relembrar estas ideias, basta voltar nos textos: Além do Bem e do Mal e Niilismo.
Assim, chega-se à conclusão de
que a humanidade como um todo ainda não assimilou sua finitude, seu memento mori. Ainda vivemos como se fôssemos
eternos.
“Não te conduzas como se fosses
durar milhares de anos. Sobre ti paira o inevitável. Enquanto vives e podes,
esforça-te por tornar-te homem de bem. ” [2]
E é aí que o Eterno Retorno faz
uma diferença muito grande no modo de conduzir a vida. Veja que o “eterno” aqui
é concebido na ideia de presente, porque passado e futuro não existem. O que
existe eternamente é o agora! E é agora que podemos fazer alguma diferença em nossas
próprias vidas e nas vidas de outras pessoas. É só agora que podemos abraçar
alguém, sentir um perfume, dar um beijo carinhoso. É só agora que podemos tomar
aquela iniciativa de mudança de hábito seja para os estudos, para o trabalho ou mesmo para a alimentação e a atividade física. Não adianta adiar. Não existe
amanhã. Só existe hoje. E somos finitos. Portanto façamos tudo o que pudermos
hoje.
“Um único dia é o tamanho da
vida.”[3]
É aqui que entra o memento vivere. Uma vez que tomamos a
real consciência da nossa mortalidade, conseguimos desfrutar de nossa vida de
uma maneira única e plena, conseguimos de fato Viver. Por isso o memento
vivere só pode vir depois de complemente assimilado o memento mori.
Que a leitura do texto
de hoje possa trazer boas reflexões para o seu agora! J
Feliz Natal e até a próxima semana!
Renata Chinda
rechinda@gmail.com
[1] Nietzsche – Considerações Intempestivas
– aforismo 8
[2] Marco Aurélio – Meditações 4.17
[3] Sêneca – Aprendendo a Viver
- Da Velhice
CURIOSIDADES
* Os estoicos têm uma prática
chamada memento mori, na qual visualizam
sua própria morte todos os dias ao acordar e ao dormir. Qual a ideia? Trazer a consciência
para o presente! Tem algo de budismo nisso! J
Pode-se observar facilmente um enorme
peso moral em assuntos que envolvam a morte. Mas se pararmos para pensar, a
morte é inerente à vida! É um ciclo! Assim, refletir sobre a finitude da vida
talvez seja a condição primeira para se viver a vida que vale à pena ser
vivida! Segue mais uma citação de Epicteto:
“As folhas caem, o figo seco
substitui o figo fresco; a uva seca, o cacho maduro, eis, para ti palavras de
mau agouro! De fato, aí só existem transformações de estados anteriores em
outros; não existe destruição, mas um arranjo e uma dissipação bem regulados. A
emigração não é senão uma pequena mudança. A morte é uma mudança maior, mas não
vai ser do atual ao não-ser, e sim ao não-ser do ser atual – Então, não sereis
mais? Tu não serás mais o que és, mas outra coisa da qual a Natureza precisa. ”
** Filósofos tais como Kierkegaard, Heidegger e Sartre trazem o tema do Não-Ser
de uma maneira bastante interessante. Passa lá na biblioteca do Zeitgeist dar
uma conferida.
***Imagem do texto de hoje: Vanitas de Antonio de Pereda, 1634
**** Poema de Humberto Gessinger
no livro Nas Entrelinha do Horizonte
RESPOSTAS
QUE ESQUECI AO ACORDAR
O
coração diz que a vida
É curta
demais para sermos imparciais
A razão
diz que a vida
É curta
demais para sermos parciais
Cada um
defende sua tese
Sem
defesa
E a
gente segue seguindo
Certos
da incerteza
Todos os
cálculos indicam
Uma vida
curta demais
Mas
seguimos seguindo
Como se
fôssemos imortais
Excelente texto! Muito obrigado.
ResponderExcluirNós que agradecemos a leitura!! :)
ExcluirAcabei de descobrir o blog e estou adorando! Ótimos textos e reflexões. Um abraço do Vietnã!
ResponderExcluirObrigada, Darling!!! Ficamos bem contente aqui! Aquele abraço! ☺️🇧🇷
ExcluirExcelente texto !! Para ler e reler várias vezes !
ResponderExcluirObrigada, Thales!!!! =)
ExcluirQue bom ter lido algo tão maravilhoso! Parabéns! Fico aqui procurando alguém para ir mais fundo num texto tão bom. Pena ter ao alcance apenas a mim mesmo. Valeu!
ResponderExcluirMuito obrigada pela leitura! Ficamos felizes que tenha gostado! :)
ExcluirUau! Uma vontade: a de ter conhecido essa página antes. Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, Guilherme!!! Fico bem contente que tenha gostado da leitura! =)
ExcluirQue leitura maravilhosa... 📚 certamente me tornarei uma leitora assídua
ResponderExcluirObrigada, darling! Fico feliz que tenha gostado! :)
ExcluirFeliz Páscoa! Que excelente presente de Natal! Ass.:LAB
ResponderExcluirObrigada pela leitura! Feliz Natal! :)
Excluir