ES DENKT IN MIR - ALGO PENSA EM MIM
“Se você acha que o que você
pensa é o que passa na sua cabeça, saiba que o que você não pensa é o que tem
de melhor no seu pensamento. ” [1] Wow!! Como assim? Tem algo que passa pela minha
cabeça e eu nem percebo? Tem, sim!!! Para Nietzsche o pensamento é algo
intrínseco ao corpo, como, por exemplo, a circulação sanguínea e o
peristaltismo, ou seja, é algo involuntário. E mais, só temos consciência de uma
ínfima parte do que pensamos, a grande maior parte de pensamento passa pelas
nossas cabeças sem que sequer tenhamos consciência
disto. E daqui nasce a semente que deu origem ao que é chamado de inconsciente.
Deste ponto em diante surgem
algumas ideias bastante interessantes. Descartes (1596-1650), grande físico,
matemático e filósofo francês, em seu Discurso
do Método (1637), enunciou a famosa máxima:
Je pense, donc je suis. - Cogito, ergo sum. – Penso, logo existo.
Nietzsche abre essa pequena sentença
e a estuda em vários aforismos. E, como um exímio desconstrutor, ele chega à
conclusão de que “não sou eu quem pensa”, ou seja, algo pensa em mim (es denkt in
mir) e mais “não existe eu”, ao menos não como nossa concepção tradicional! Woow
(2)!
“Sejamos mais prudentes que
Descartes que foi vítima da armadilha das palavras. Cogito, na verdade, é apenas uma palavra, mas o sentido dela é
complexo. (...) Nesse cogito há: 1º
algo pensa; 2º creio que sou quem pensa; 3º mesmo admitindo que este segundo
ponto seja incerto, sendo matéria de crença, o primeiro ponto “algo pensa”
contém igualmente uma crença, aquela que “pensar” seja uma atividade para a
qual seja necessário imaginar um sujeito, mesmo que fosse “algo”; e o ergo sum (logo existo) não significa
nada mais.” [2]
Aqui vale citar a integralidade
do capítulo “La décomposition du Cogito”
do livro Versions du Soleil de
Pautrat Bernard. Neste capítulo o autor lista e analisa todos os aforismos de Nietzsche sobre a máxima cartesiana.
De um modo sucinto, concluímos
que "penso" pressupõe um sujeito. Na máxima cartesiana o sujeito “sou eu”, mas
poderia não ser. E é aí que vemos que pensar obrigatoriamente exige um sujeito.
Para Nietzsche esse sujeito “não sou eu” e então "logo existo" não faz mais
sentido, torna-se uma falácia. Seguindo esta linha de raciocínio, não somos
senhores dos próprios pensamentos, uma vez que algo pensa em mim.
Portanto, o inconsciente é o
essencial da vida psíquica. Uma excelente metáfora para descrever isso é a
seguinte: é como se o inconsciente
fosse o mar, no meio do mar tivéssemos um farol, e o consciente fosse o estreito ponto de mar iluminado pelo facho de
luz do farol. Interessante, não é?! J ainda mais se nos perguntarmos quem conduz a luz do farol!!
Ok! Mas como comprovamos a existência
do inconsciente? Exemplo clichê: alguém pergunta determinado nome de rua e você
não lembra de imediato. Passado 5 minutos, você desiste de lembrar, mas de
repente, num insight, o nome da rua vem à ponta da língua. Você não tinha
consciência de que ainda estava pesquisando em seus arquivos mentais, mas
estava.
Entendido “es denkt in mir”,
vamos ao passo seguinte: a não existência do “eu”.
Aqui Nietzsche traz novamente o problema da linguagem
que tenta traduzir um símbolo, um sentimento ou a realidade.
“Introduzimos dissonâncias e
problemas nas coisas porque só podemos pensar nas formas da linguagem – e porque
acreditamos, por conseguinte, na ‘verdade eterna’ da ‘razão’ (por exemplo, o
sujeito). ” [4]
“No ponto em que começa nossa ignorância
e para além do qual não vemos mais, colocamos uma palavra: por exemplo, a
palavra ‘eu’ (...) – essa é talvez a linha de horizonte do nosso conhecimento,
não uma ‘verdade’. ” [5]
“Eu”, para Nietzsche, pode ser
considerado como uma espécie de limite de tudo o que somos, sendo que este
limite foi-nos imposto por nós mesmos! “Eu”, segundo o dicionário, é transcrito
como a referência a “si mesmo”. Mas a significância do que este símbolo quer dizer
é tão vasta que “eu”, segundo nossa ínfima formulação, simplesmente não existe.
Para Nietzsche “eu” seria melhor traduzido em palavras como sendo a reunião de
um corpo capaz de atividades físicas e psíquicas e que é movido por uma energia
que oscila em função dos choques e dos encontros com outras energias.
E essa ideia de que tudo o que
somos é energia e que estamos mergulhados num campo de energias, faz lembrar um
livro muito interessante chamado: “O Fenômeno Humano” de Pierre Teilhard de Chardin.
Ahhhh se pudéssemos ler todos os bons livros deste mundo!! Definitivamente falta
tempo, sobram planos! =]
Mas, voltando ao ponto: a
amplitude do significado de “eu”, só veio mesmo a ser estudada com maior
profundidade com o nascimento da psicologia, no final do século XIX. William James,
um dos pais da psicologia, distingue em 1892 entre o "eu", como a instância
interna conhecedora, e o "si mesmo", como o conhecimento que o
indivíduo tem sobre si próprio. Sendo que o "si mesmo" se baseia em
três experiências básicas do ser humano: (1) a consciência reflexiva, que é o
conhecimento sobre si próprio e a capacidade de ter consciência de si; (2) a
interpessoalidade dos relacionamentos humanos, através dos quais o indivíduo
recebe informações sobre si; (3) a capacidade do ser humano de agir. [6]
Esse conhecimento que o
"eu" tem sobre "si mesmo" tem dois aspectos distintos: por
um lado, um aspecto descritivo chamado autoimagem e
por outro, um aspecto valorativo, a autoestima.
E aqui entra uma maravilhosa psicologia Junguiana da qual vamos ficar apenas
com a vontade de ler mais!
Por hoje fechamos aqui e ficam as
sugestões de leitura para mergulhar no Si-mesmo (Selbst) e conhecer um pouquinho mais sobre nós-mesmos! 😆
Até o próximo texto! 🙋
Renata Chinda- rechinda@gmail.com
Renata Chinda- rechinda@gmail.com
CURIOSIDADES
(1) Aqui
somos viciados em Clarice Lispector, já deu pra perceber né?! Então segue “Se
eu fosse eu”, conto da nossa escritora brasileira, nascida na Ucrânia, favorita! Disponível em áudio também
aqui.
Quando eu não
sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me:
se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar
escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase
"se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo
a pensar, diria melhor SENTIR.
E
não me sinto bem. Experimente: se você
fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um
constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar
onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente
passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.
Acho que se eu
fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha
fisionomia teria mudado. Como? Não sei.
Metade das
coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por
um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que
é meu e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu
fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a
entrada nova no desconhecido.
No entanto
tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que
seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim
em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas
também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que
mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando, porque
me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que
é grande demais.
Clarice
Lispector
(2) A
imagem do texto de hoje é La Porte de L’enfer
(esculpida entre 1880 e 1917), obra de Auguste Rodin. Esta obra foi baseada no
livro A Divina Comédia de Dante Alighieri. O
Pensador (Le Penseur), figura destaque na imagem, é um dos personagens desta bela obra. ‘O Pensador’ representa Dante
meditando em tormentosa introspecção sobre ‘A Porta do Inferno’. Críticos de
arte dizem que o mais impressionante nesta obra é que o homem parece pensar com
todo o seu corpo, desde a posição que evidencia a concentração e os músculos
até as pontas dos dedos dos pés contraídas no chão. Incrível, não?! Algo pensa
nele!!! E com bastante intensidade! =] Ahhh, vale a ressalva, originalmente ‘O
Pensador’ chama-se ‘O Poeta’.
[1] Prof Clóvis de Barros Filho – disponível aqui.
[2]Nietzsche – Vontade de Potência §98
[3] Nietzsche – Vontade de Potência §100
[4] Nietzsche – Vontade de Potência §102
[5] Nietzsche – Vontade de Potência §105
[6] https://pt.wikipedia.org/wiki/Si_mesmo
Adorei seu blog. Li umas 4 postagens seguidas e assinei para receber as novas..rs. Você escreve de um jeito que dá prazer em ler.. e tem um didatismo impressionante.. alma de professora, estou certo?.. lol
ResponderExcluirSe me permite, gostaria de sugerir que mencionasse a Clarice Lispector sempre como escritora brasileira (não ucraniana) já que ela mesma se declarava assim, pois veio pro Brasil ainda bebê, e sua língua materna foi o português, idioma com o qual concebeu toda sua obra literária.
abração
Oi Carlos! Obrigada pelo comentário e pela leitura. Ficamos -eu e todos os meu outros eus- muito felizes que tenha curtido o blog :) Quanto à Clarice, observacao aceita e adicionada ao texto. A ideia é despertar curiosidade na leitura! Acredito que nem todos tenham a real consciencia do quanto somos privilegiados em termos a Clarice como uma escritora de língua portuguesa! <3 Aliás, já vi a obra da Clarice em outros idiomas e sempre tento avaliar o grau de dificuldade de uma traducao como essas!! Traduzir Clarice nao deve ser fácil! Somos realmente privilegiados!! E mais uma vez, obrigada pelo comentário!
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