DAS TRÊS METAMORFOSES DO ESPÍRITO
“Vou falar das três metamorfoses
do espírito: como o espírito se transforma em camelo, e o camelo em leão, e o
leão, finalmente em criança. ” [1]
Das três metamorfoses é o capítulo que abre os discursos de “Assim falava Zaratustra”. Aqui, a concepção
de espírito difere um pouco da concepção de Espírito
Livre. Poderíamos dizer que ela está para além da concepção apresentada em O Espírito Livre, vinda de Humano demasiado Humano. O Espírito Livre é simbolizado como
um pássaro que conquista sua liberdade quando se desprende dos valores morais.
Aqui a simbologia para a evolução do espírito desdobra-se nas figuras do
camelo, do leão e da criança. É como se fossem fragmentos de um mesmo processo
evolutivo, momentos de uma mesma libertação. Bom, vamos lá então.
Inicialmente o espírito é um
camelo. E, como bem sabemos, o camelo é um animal de carga. Assim, o espírito
camelo carrega tudo o que há de mais pesado: valores, crenças que não
necessariamente são as suas, imposições sociais...
“A força desse espírito reclama
por coisas pesadas e das mais pesadas. Que coisa é pesada? – Pergunta o
espírito transformado em besta de carga. E ajoelha-se como um camelo e quer que
a carga lhe seja bem colocada. Qual é a coisa mais pesada, ó heróis? Para que
eu a carregue e me rejubile com minha força. ” [1]
Na consciência do camelo há a
necessidade de condução, de mandamentos, de regras, de religiões, de sacerdotes. Ele não percebe que estas muletas metafísicas só servem para incentivá-lo a suportar cada vez mais "carga". E isto acontece porque ele não consegue confiar em si próprio, não tem coragem
ou desejo pela liberdade. Ou seja, ele representa a obediência servil, o não reconhecimento
do seu papel no mundo pelo desconhecimento de si próprio. O camelo não sabe
onde está ou o que está fazendo e o porquê. Ele apenas faz, caminha e carrega
sem questionar.
Assim, o espírito transformado em
camelo se sobrecarrega de todas as coisas mais pesadas e sai rumo ao deserto. E
é na extrema solidão do deserto que ocorre a segunda metamorfose. O espírito se
torna leão. Como? Ele começa a questionar a si próprio e a maneira como enxerga
o mundo.
E, de repente, no meio do
deserto, surge um enorme dragão de escamas douradas. “Tu deves” chama-se o
grande dragão. “Tu deves” tem o corpo recoberto de escamas douradas resplandecentes
e em cada escama está escrito: “Tu deves”. Valores milenares brilham nestas
escamas, todos os valores que já foram criados.
“Criar valores novos é coisa que
o leão ainda não pode, mas criar a liberdade para criar novamente, isso pode
fazer a força do leão. Para criar a própria liberdade e dizer um sagrado não,
mesmo perante o ‘dever’, para isso, meus irmãos, é preciso o leão”. [1]
Então, repentina e naturalmente,
a reatividade e rebeldia do leão transformam-se em AFIRMAÇÃO. É neste passo que
o leão torna-se criança. A criança é um
espírito apaixonado por sua vontade e, com posse de direito sob a criação, quer
afirmar este amor. A criança faz o que nem o camelo, nem o leão foram capazes
de fazer: criar, brincar, jogar naturalmente o jogo da vida, dizer SIM para o jogo
da criação.
“A criança é inocência,
esquecimento, um recomeço, um brinquedo, uma roda que gira por si própria,
movimento primeiro, uma santa afirmação. Sim, para o jogo da criação, meus
irmãos, é preciso uma santa afirmação. O espírito quer agora a sua própria
vontade”. [1]
A criança é o espírito capaz de
exercer plenamente o amor fati. Ela
vive de corpo e alma, sem se preocupar com o devir, sem medo da existência.
Esta fase de evolução espiritual é também conhecida como a Segunda Inocência. Segunda
porque é uma inocência consciente das escolhas e da liberdade pessoal. A
primeira é uma inocência praticamente cega, sem a compreensão clara dos fatos,
como acontece com o camelo. A criança, por sua vez, representa um eterno e
sagrado SIM à vida, tendo consciência de todos os percalços no caminho e
afirmando sua presença no agora. O espírito transformado em criança tornou-se
tão pleno de si próprio, que tornou-se TODO.
Assim falava Zaratustra.
E nós? Em quais aspectos ainda nos
identificamos com o espírito do camelo ou do leão? Em qual área da vida
já podemos nos considerar verdadeira crianças? Vale a reflexão! Isso é auto conhecimento!
Conhece-te a ti mesmo! 😏
Conhece-te a ti mesmo! 😏
Até o próximo texto! 🙋
Renata Chinda- rechinda@gmail.com
CURIOSIDADES
O aforismo grego "Conhece-te a ti mesmo" (γνωθι σεαυτόν) é uma das máximas de Delfos e foi inscrita no pátio do Templo de Apolo em Delfos. Logo, Sócrates e/ou Platão não foram seus autores, mas sim divulgadores da ideia, por assim dizer.
A máxima, ou aforismo, "conhece-te a ti mesmo" teve uma variedade de significados atribuídos a ele na literatura. A Suda, uma enciclopédia grega de conhecimento do século X, diz:
"O provérbio é aplicado àqueles que tentam ultrapassar o que são".
Em Latim, o aforismo é geralmente dado como nosce te ipsum ou temet nosce. [3]
A máxima, ou aforismo, "conhece-te a ti mesmo" teve uma variedade de significados atribuídos a ele na literatura. A Suda, uma enciclopédia grega de conhecimento do século X, diz:
"O provérbio é aplicado àqueles que tentam ultrapassar o que são".
Em Latim, o aforismo é geralmente dado como nosce te ipsum ou temet nosce. [3]
[1] Nietzsche, Assim Falava Zaratustra, Os Discursos de Zaratustra, Das Três Metamorfoses
[2] Créditos da imagem : Child Shiva, camel and lion;
disponível em: https://janeadamsart.wordpress.com/2012/11/11/truth-is-not-a-monolog/
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Conhece_a_ti_mesmo
[2] Créditos da imagem : Child Shiva, camel and lion;
disponível em: https://janeadamsart.wordpress.com/2012/11/11/truth-is-not-a-monolog/
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Conhece_a_ti_mesmo
Noooossa! Eu já amei esse blog. Quanta lucidez e objetividade na abordagem! Gratidão 🙏. Ass.: LAB
ResponderExcluirMuito obrigada! Fico feliz que tenha gostado! :)
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