Sobre a Utilidade e a Desvantagem da História para a Vida






Sobre a Utilidade e a Desvantagem da História para a Vida - no original alemão Vom Nutzen und Nachteil der Historie für das Leben - é a segunda das quatro Considerações Extemporâneas (Intempestivas), publicadas em 1874 por Nietzsche. Este texto traz algumas críticas à maneira como usualmente percebe-se a história.

Logo no início, Nietzsche transcorre sobre a questão da felicidade. Segundo ele, a felicidade se daria pela capacidade de esquecer, de se sentir a-historicamente. Hmmm como assim? A-historicamente (e reafirmamos a limitação de se ficar preso às traduções quando não se pode seguir a leitura na língua original do texto) entra aqui no sentido de instalar-se no instante e acreditar-se potente para criar; seria uma espécie de afirmação de Vontade de Potência. Uma vida sem a constante recorrência ao passado, ou seja, vivida em função do presente. Essa ideia faz lembrar o conceito de Eterno Retorno, não?!

Parece simples, mas quantas vezes vemos as pessoas e nós mesmos vivendo em função do passado? A recorrência mais comum é a de imaginar que fazendo os mesmos feitos do passado teremos hoje os mesmos resultados obtidos anteriormente. Nietzsche inclusive é irônico ao tratar deste ponto de vista:

“(...) se tivessem razão em acreditar que uma mesma constelação dos corpos celestes também se deveria repetir, igualmente, sobre a terra, e isto até os eventos singulares e diminutos: de modo que sempre e de novo, quando as estrelas estivessem em uma certa posição umas em relação às outras, um estoico se ligaria a um epicurista para matar César e novamente em uma outra relação Colombo descobriria a América.” [1]

Obviamente estes feitos são hoje impossíveis! Não existem mais nem César a ser assassinado e nem Américas para serem descobertas. Ou seja, caso a história seja tomada como fundamento universal de toda uma realidade, ela pode vir a ser prejudicial ao homem. Entretanto, mesmo com exemplos tão óbvios, trazer este conceito para o dia-a-dia pode ser um imenso desafio mental.

“Nunca sairá de novo um resultado exatamente igual no jogo de dados do futuro e do acaso.” [2]

Segundo o ponto de vista de que estamos em constantes transformações - portanto tudo o que nos rodeia também se transforma (aqui vale lembrar O Mundo como Representação do Schopenhauer) - não faz sentido repetir os mesmos feitos e esperar os mesmos resultados. Se tudo se transforma, nossas ações devem também se modificar gradativamente de maneira a acompanhar o devir. Uma vida vivida em função do passado, negando-se, portanto, o presente é uma vida niilista.

Mas então a proposta é esquecer completamente o passado? Não! De maneira alguma. Veja, Nietzsche classifica a história em 3 categorias no que se refere ao seu uso:

Monumental: quando grandes homens/feitos do passado se tornam exemplos a serem imitados, sem se dar conta de que seria impossível a repetição de tais circunstâncias devido às mudanças ocorridas pelo tempo.

Antiquaria ou Tradicionalista: em que o homem preserva e venera o passado, sem se dar conta de que o novo, que estaria em vias de florescer, é rejeitado e esquecido em detrimento do velho.

Crítica: quando olha-se o passado com olhar questionador e julga-o de acordo com as inquietações do presente.

A proposta aqui é equilibrar os três pontos de avaliação do passado, da história da qual se faz parte. É impulsionar a história a serviço da vida!

A busca do equilíbrio, para além da metáfora, é a liberdade do homem que aceita e ama o devir! Olha lá o amor fati e o Ubermensch por aqui de novo...

E aí? Como é a relação que temos com nosso passado?

=]

Boas reflexões e boa semana!

Até o próximo texto!

Renata Chinda

CURIOSIDADES

(1) Esta segunda reflexão intempestiva, traz ideias muitíssimos interessantes de como a veneração e o culto ao passado podem ser prejudiciais ao indivíduo e à sociedade como um todo. Neste texto, Nietzsche fala da velhice da humanidade que ainda sem assimilar o memento mori, busca cegamente o memento vivere. Vale a pena a leitura completa! Passa lá na biblioteca do Zeitgeist!

(2) A imagem do texto de hoje é a tela " A persistência da Memória" de Salvador Dalí. A interpretação dos relógios derretidos à beira da praia fica por sua conta e risco. Sugestão: lembrar do analogia entre o mar e o inconsciente, vista neste texto aqui: Es Denkt in Mir

BIBLIOGRAFIA

[1] Nietzsche - Sobre a Utilidade e a Desvantagem da História para a Vida – aforismo 5

[2] Nietzsche - Sobre a Utilidade e a Desvantagem da História para a Vida – aforismo 2

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