GENEALOGIA DA MORAL



Intrigante, provocante e com uma abrangência enorme de aplicacoes práticas: Genealogia da Moral - uma polêmica, em alemão Zur Genealogie der Moral: Eine Streitschrift. O livro foi publicado em 1887 como complemento de "Além do Bem e do Mal" de 1886.

“Imaginem um livro que não fala de outra coisa senão de acontecimentos situados fora da possibilidade das experiências comuns, ou até mesmo raras –a primeira forma de expressão para um novo campo de experiências. ” [1]

Em Genealogia da Moral, Nietzsche busca a origem dos conceitos morais que regem o nosso comportamento social. Para ele a moralidade nada mais é do que o instinto de rebanho no indivíduo. As crenças morais são sempre crenças do grupo do qual se faz parte. E o grupo é maior que qualquer indivíduo que divirja deste. Assim, esse “poder moral” é tão grande sobre o grupo como um todo e ao mesmo tempo sobre cada um que é como se o indivíduo só conseguisse atribuir valor a si próprio como uma função do rebanho (!).

E deste modo, o consenso social traz consigo a censura moral e o controle do comportamento humano, ou seja, cria-se um sistema moral. Mas o rebanho por si só não é capaz de criar conceitos de moral. O rebanho é capaz de obedecer.

“Desde que existem os seres humanos, existem também os rebanhos humanos (grupos familiares, comunidades, tribos, nações, estados, grupos religiosos), e sempre um maior número dos que obedecem, se comparado com um pequeno número dos que mandam - ao se levar em conta, como é preciso que se diga, que até agora nada tem sido praticado ou cultivado entre os homens de uma forma melhor, ou durante mais tempo, do que a obediência, é justo supor que, como regra, existe agora a necessidade inata de uma espécie de consciência formal que ordena: vós deveis incondicionalmente fazer isto, e incondicionalmente não deveis fazer aquilo, em resumo, 'vós deveis'. Essa necessidade busca ser satisfeita e preencher seus modelos com um significado: ao fazer isso, ela o agarra quase que de modo selvagem, de acordo com o grau de sua força, de sua impaciência e tensão, com pouca discriminação e como um apetite grosseiro, e aceita seja qual for o comandante - o pai, o professor, a lei, o preconceito de classe, a opinião pública - que grite em seu ouvido." [2]

“E aquele que não pode obedecer a si próprio, será comandado. ” [3]

Se o rebanho só sabe obedecer, quem será capaz de ditar os padrões morais capazes de controlar nossa sociedade? A religião, o Estado, as pessoas mais influentes. Em épocas passadas poderíamos citar reis (rainhas), imperadores (as), faraós... E aqueles que comandam sempre irão conservar sua autoridade sobre o grupo, alegando representar a mais superior das autoridades e acabando por criar uma moral partidária.

E então surgem os conceitos de escravo da moral e senhor da moral. Como o próprio nome sugere, escravo da moral é aquele indivíduo incapaz de criar seus próprios conceitos morais, enquanto o senhor da moral é aquele que dita os conceitos. Perigoso? É perigoso sim! Quando se tem em vista que o senhor da moral possa ser um indivíduo degenerado, malogrado, tirânico.  E isso significa outra coisa também: não existe uma moral universal, que valha para todos os homens em todos os tempos.

“Não existem fenômenos morais, mas a interpretação moral dos fenômenos. ” [4]

E é daí que surgem os conceitos do que é bom e o que é mau. Podemos resumir as cenas dos próximos capítulos da seguinte maneira: segundo Nietzsche a classe religiosa pregou uma transvaloração dos valores no intuito de enfraquecer o Estado. Isso significa, por exemplo, que a coragem passou a ser encarada como arrogância, o amor-próprio como orgulho...  Surgiram as ideias de Bem/Mal ou Bom/Mau, culpa, pecado, remorso... Mas isso vamos discutir mais pra frente.

Apenas para fechar A Genealogia da Moral:

“A escolha restringe-se a: ou criamos valores para nós mesmos ou observamos e nos submetemos aos valores alheios. Historicamente a moral de escravo tem prevalecido, mas às vezes encontramos a vontade de transcendê-la e irmos para além do bem e do mal.

A moralidade nobre se desenvolve puramente a partir da auto afirmação da vida – diga SIM à vida.” [1] 

Olha o amor fati aí de novo, em busca do Ubermensch! J

Até o próximo texto! 🙋

Renata Chinda- rechinda@gmail.com

[1] Entendendo Nietzsche – Um guia ilustrado - Laurence Gane & Piero
[2] A Genealogia da Moral – Nietzsche
[3] Assim Falava Zaratustra – Nietzsche
[4] Além do Bem e do Mal - Nietzsche

Comentários

  1. Interessante, hoje mesmo conversava com meu pai sobre o texto
    http://diplomatique.org.br/13-pontos-para-embasar-qualquer-analise-de-conjuntura/
    que analisa esta conjuntura político econômica social, e reflete sobre a ilusão de estar participando das tomadas de decisões, mas na realidade estar apenas sendo manipulado, obedecendo sem perceber.
    Minha análise é que as empresas, instituições, problemas e soluções são, na verdade, todos seres humanos. Umas das formas, ou talvez a única, de sair deste ciclo vicioso de repetição e obediência, seria a educação, auto conhecimento, empatia, etc, em massa... Ou seja, evoluindo massas de indivíduos para que pudessem pensar ao invés de obedecer, teríamos um conjunto melhor. O problema é que isto vai contra o interesse de quem se alimenta da nossa ignorância, sejam administradores/legisladores públicos, detentores de poder econômico, religiões, mídia... Para todos que estão em posição de "supremacia" de algum tipo de poder, seres que pensam são problemas não solução, e isto vira quase um paradoxo. Mas não sou tão pessimista, pois a cada dia trombo com mais seres que em algum momento conseguem enxergar a realidade por ângulos diferentes do comum, do obediente. Pode ser utopia, mas acho que uma hora vai dar certo.

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    1. Muito bem colocado, Ramilio! A matéria que vc citou tb é excelente para elucidar esse sistema político-financeiro do qual pensamos "participar" como parte do elenco. Às vezes somos só a platéia e obedecemos sem perceber. E em algumas situações isto também é necessário justamente porque nem todos conseguem por si só pensar e agir de modo autônomo. Obrigada pelo comentário! :)

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    2. Obrigado por compartilhar este tipo de conteúdo com o planeta... Show de bola blog.

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