O NIILISMO
“Minha tese é a de que todos os
valores em que a humanidade agora concentra a sua aspiração suprema são valores da décadence.” [1]
A palavra “niilismo” vem de nihil, que em latim significa “nada”. Portanto,
niilismo tem a ver com negação, vazio, falta. É muito importante ressaltar que
a concepção filosófica tradicional e a nietzschiana à respeito de niilismo
não são idênticas, na verdade, são opostas!! Niilista segundo Nietzsche é
aquele que nega o mundo da vida em
detrimento de verdades absolutas! Exemplos: cristãos, comunistas, liberais,
anarquistas, democratas, idealistas, platônicos.... Ou seja, para Nietzsche,
niilistas são todos que têm por princípio um modelo mental que escraviza a
vida.
É a filosofia do martelo, da
desconstrução! Nietzsche destrói os ídolos, os ideais. É daí que surge a famosa
ideia nietzschiana citada sempre por um única frase pinçada sozinha do aforismo
125 de Gaia Ciência: “Deus morreu.” A
frase por si só já é provocativa! Primeiro, se Deus existe ele é eterno, portanto
não morre. Segundo, se Deus não existe ele não pode morrer! Então, afinal, o
que Nietzsche quer dizer com essa frase? Quer dizer que estamos diante da desconstrução
de uma estrutura religiosa do pensamento!! Ou seja, desconstrução da
oposição definitiva entre o bem e o mal, o céu e a terra, o justo e o injusto, da
convicção de que o está além deste mundo é superior ao aqui e agora. Resumindo:
trata-se da morte de todas as visões morais tradicionais que repousam na
oposição entre o ideal e o real.
“Os homens inventaram
o ideal para negar o real.” [2]
Com isto, Nietzsche condensa o
espírito da sua época – zeitgeist – e
denuncia o niilismo em que a Europa estava mergulhada no final do século XIX -
(e porque não a América do século XXI?). Aqui a questão principal não é discutir
religião ou fé, mas perguntarmos até que ponto estas muletas metafísicas trazem
consequências para a maneira como se conduz a vida.
“As convicções são
inimigas mais perigosas do que as mentiras.” [3]
Muletas metafísicas seriam como
uma espécie de apoio para o corpo a fim de diminuir o sofrimento. Exemplos: o
paraíso no além-mundo, a sociedade sem classes de Marx e mesmo a Verdade!! Sim,
a Verdade também! Mas vamos deixar o tema da Verdade para um próximo texto. Por
enquanto vamos nos concentrar em saber como essas muletas metafísicas podem
influenciar a maneira como como se vive tomando como exemplo o paraíso.
Imaginemos que depois da morte
haja uma vida eterna e feliz, ou seja, vida e felicidade que não acabam mais e
que só são alcançadas dependendo do que se faz nesta vida finita aqui. E que as
pessoas que sofrem, os humilhados, os fracos, os derrotados, estes têm não só
direito ao paraíso, como também uma espécie de passagem preferencial para esta
vida eterna e feliz. Por outro lado, os fortes, dominantes, poderosos têm
grandes chances de não ir para o paraíso na vida eterna, mas sim para o
inferno. Isto faz lembrar sobre moral de escravo e moral de senhor, como
discutimos em Genealogia da Moral, não é mesmo? Deste modo, é como se o mundo
transcendente corrigisse a situação desfavorável dos escravos morais aqui na terra,
funcionando como uma espécie de compensação para os fracos. Veja, aquele que
teve uma vida ruim e cheia de
sofrimentos aqui na terra, na vida
finita, terá a eternidade em
abundância e felicidade! Parece uma
compensação vantajosa... Conclusão: vale a pena sofrer agora, na vida finita,
em detrimento de uma vida eterna no paraíso! Chegando a acontecer grande duelos
orais na disputa para ver quem sofre mais, ou seja, para ver quem tem direito à
passagem preferencial para o paraíso!! =) Funciona como uma espécie de
tranquilizador do sofrimento que por fim dá origem às pessoas conformadas! E ao
invés de os fracos e conformados se superarem e procurarem melhorar a única
vida que estão de fato vivendo agora, preferem aceitar o sofrimento e aguardar
pela felicidade que chegará na próxima vida....
Impactante? Sim! E, sem
dúvidas, bastante real! É o caso mais comum na sociedade na qual vivemos!
Certamente sem essa crença presente no dia-a-dia as pessoas encarariam a vida
de uma forma diferente.
“Chamo um animal, uma espécie, um
indivíduo de corrompidos quando preferem o que lhes é prejudicial. Uma história
dos “sentimentos superiores”, dos “ideais da humanidade” – e é possível que eu
tenha de narrá-la – também seria quase a explicação de por que o homem está tão
corrompido.” [4]
O filósofo Deleuze (Paris, 1925-1995)
foi um grande estudioso das obras de Nietzsche. Ele sistematizou as proposições
de Niilismo segundo Nietzsche em quatro categorias: niilismo negativo, reativo,
passivo e ativo.
No Niilismo Negativo nega-se
o mundo em nome de outros valores. Este tipo de niilista engana a si próprio e
foi o exemplo utilizado na introdução do texto de hoje. É clara a ligação deste
tipo de niilismo com a religião. O Niilismo
Reativo está um passo à frente. Este
tipo de niilista é ateu, acredita somente no poder da ciência e espera conquistar
o ideal, porém nesta vida, não num além-mundo, ou seja, ainda mantém uma muleta
metafísica. Já o Niilismo Passivo envolve, além da morte de Deus,
a morte do sentido do mundo! Este tipo de niilismo remete ao mito de Sísifo,
uma condenação eterna à luta inútil. É o mais perigoso dos niilismos, um
convite ao suicídio! E por fim, no Niilismo
Ativo a depressão do mundo é
superada pela força da criação de valores, da afirmação em si, da dança que só
os deuses podem dançar! J
Aqui começa a entrar o Ubermensch, o além-homem que cria os próprios valores!!
“Da ótica do doente ver conceitos
e valores mais sãos, e, inversamente, da plenitude e certeza da vida rica
descer os olhos ao secreto labor do instinto de décadence. Este
foi o meu mais longo exercício, minha verdadeira experiência, se em algo vim a
ser mestre, foi nisso. ” [5]
Sim, vamos voltar ao tema do
Niilismo visto que é algo que não cabe em único domingo!
Até o próximo texto! 🙋
Renata Chinda- rechinda@gmail.com
Renata Chinda- rechinda@gmail.com
CURIOSIDADES
Nietzsche não é cartesiano no
desenrolar de seu pensamento, ele escreve por aforismos. Todos os livros tratam
de todos os assuntos. Isso facilita e dificulta. Facilita porque o tempo todo o
leitor está em contato com vários aspectos do pensamento de Nietzsche. E
dificulta porque, para se ter uma ideia mais completa da opinião do autor sobre
determinado assunto, se faz necessária a leitura de todos os livros! Isso torna
o estudo da filosofia de Nietzsche bastante desafiador! E, segundo o Prof
Clovis de Barros Filho, a crítica ao niilismo está presente em absolutamente
todos os livros de Nietzsche!!
[1] Nietzsche - O Anticristo - §
6
[2] Nietzsche – Crepúsculo dos
Ídolos
[3] Nietzsche – Assim falava
Zaratustra
[4] Nietzsche - O Anticristo - §
6
[5] Nietzsche, Ecce Homo, Porque
sou tão sábio - §2
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