O espetáculo da vida


Zeitgeist, a seus leitores saúda! O palco principal hoje é ocupado por Marco Aurélio, o imperador filósofo. Em seu livro (melhor dizendo - diário pessoal publicado e traduzido para vários idiomas 😅) intitulado Meditações, Marco Aurélio traz, dentre outros pensamentos, reflexões sobre como conduzimos nossos diferentes papéis no espetáculo da vida. Mas para dar início ao nosso texto, cedamos espaço ao nosso ilustre figurante do dia: Epicteto.

"Todas as manhãs, imagine que você está entrando em um festival, se preparando para apreciar o espetáculo e lidar com a confusão." [1] 

Páre um pouco e realmente imagine como seria maravilhoso acordar todas as manhãs, sair para contemplar o nascer do sol e a vastidão do espaço, encarando o despertar de cada dia como uma preparação para um espetáculo, um festival, uma Celebração à vida! 💙Afinal, temos tantos privilégios! O primeiro deles é acordar pela manhã.  

Ok! Depois de extasiados com a beleza da vida, voltamos para casa e preparamos nosso café. Tá tudo muito bem, tá tudo muito bom, mas realmente... mas realmente.... eu preferia que o cachorro parásse um pouco de latir, que o trânsito na frente de casa não fosse tão caótico e barulhento - com mil buzinas e palavrões de motoristas velozes e furiosos às 8h da manhã de uma segunda-feira que agora é chuvosa e fria... é a confusão chegando... 💁

"Dizer para si mesmo, ao amanhecer: 'Sei que vou encontrar um indiscreto, um ingrato, um grosseiro, um velhaco, um invejoso, um intolerante.' (..) Sei que não me poderão macular suas feias ações. Não devo zangar-me (...) É contra a natureza a hostilidade recíproca." [2]  

Ok (2)! Tentemos manter a paciência e aceitar que não podemos mudar o que não está sob nosso controle. Ligamos o computador e começamos a trabalhar. Em meio à reunião (online life), alguns colegas (possivelmente os mesmos motoristas velozes e furiosos de há 10 min atrás)  têm seus ânimos exaltados e uma calorosa discussão se inicia... Seu nome é envolvido... Claro, como com todo humano normal, você já sente o estresse chegando à galope e a generosos níveis de cortisol! A manhã iniciou-se tão poética e profunda em pensamentos! Mas logo depois tudo isto acontece... como (re)agir? Hmmmm Reagir? Reacionários são aqueles de moral escrava, lembra do nosso amigo Nietzsche? Pois é! Aquele que é dono (conquistador) de uma moral de senhor, não reage. Ele faz as próprias regras! Se quiser relembar um pouquinho sobre isso, vale dar uma passada aqui.

E para ilustrar isto, Marco Aurélio tem uma passagem fantástica:

"Devo ser homem de bem a depeito do que fizerem ou disserem. É como se o ouro, a esmeralda ou a púrpura repetissem: 'A despeito do que fizerem ou disserem devo ser esmeralda e ter esta cor.' " [3] 

Não é sobre o que acontece conosco, mas como escolhemos (re)agir (!) a isto. E somos humanos (ao menos ao que tudo indica! hehehe 👽👾). Às vezes uma mistura de sentimentos e sensações toma conta, mas não podemos esquecer que aqueles motoristas velozes e furiosos são os mesmos pais de família, professores, médicos, colegas...  que foram temporariamente dominados por um outro eu (es dent in mir) e não lembraram que podem haver mudanças significativas dos papéis a que somos chamados a cumprir/representar no espetáculo da vida! No mesmo dia somos motoristas, filhos, pais, empregadores, estudantes, atletas da academia do bairro, campeões dos jogos de xadres do Natal em família... Enfim, somos múltiplos! Podemos e devemos exercer todas as nossas múltiplas funções através dos nossos múltiplos eus! Mas para conseguir fazer isto, precisamos deixar o piloto automático de lado e assumir o papel certo, na hora exata, no lugar adequado. (Na hora H, no dia D)!

"Neste momento, a que direciono minha alma? Fazer esta pergunta a si mesmo, acrescentando: 'Em alguma parte de mim, que há agora que se chama faculdade diretora? Não será a alma de uma criança? Talvez de uma mulher fraca? Ou de  um tirano? Será a de um animal? Quem sabe, de uma fera?' " [4]

Bom, se nosso personagem (re)agisse à situação adversa com a força de uma fera, possivelmente seria porque as faculdades pertinentes ao seu cérebro primitivo estariam sendo as mais ativadas no momento! Isso quer dizer que ele nunca deve responder como uma fera? Não! Isso quer dizer que para a situação "reunião" talvez não fosse o mais adequado. Entretanto se ele presenciasse um dos seus filhos sendo atacado por um animal selvagem, certamente sua versão fera viria à tona na tentativa de salvar sua prole. A mesma idéia pode ser estabelecida entre os outros exemplos citados por Marco Aurélio. O que vale é saber como re(agir) diante das mais adversas situações. E como nos prepararmos para tudo? Ahhhh as fórmulas mágicas...Elas não existem... Mas vale pensar sobre os recursos internos que a natureza nos presentou para lidarmos com eventos exteriores.

"Veja o interior das coisas. Sobre a qualidade ou o valor de nenhuma delas te iluda." [5] 

Às vezes, stress no trânsito é só stress no trânsito. Mas pode ser também a pressão que ajuda a formar, revelar e colocar no palco o diamante, a esmeralda - o ouro interno de cada um de nós. Tudo depende de como vemos o mundo ao nosso redor.

Boa semana. Boas reflexões.

Renata Chinda

rechinda@gmail.com

 

[1] Epicteto - O Manual da Vida 

[2] Meditações - Marco Aurelio, Livro II - pensamento I 

[3] Meditações - Marco Aurelio, Livro VII - pensamento XV

[4] Meditações - Marco Aurelio, Livro V - pensamento XI 

[5] Meditações - Marco Aurelio, Livro VI - pensamento III

 

Curiosidades

(1) A imagem do texto de hoje é um relevo sobre o autor ateniense Menandro, do séc. IV a.C. que segura uma máscara teatral na presença de uma musa. Cópia romana de um original grego - museu do Vaticano. 

(2) Já pensou na possibilidade de, digamos daqui uns 100 anos, ter diário pessoal publicado a nível mundial? 😏

(2) Ficamos curiosos pra saber como nasce o seu Sol, caro leitor. Conta pra gente por email! 😉



 


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